Manda a verdade dizer que não há governo que não tema o pensar dos juízes do Tribunal Constitucional (TC), sobretudo pelo poder que têm em vetar leis, muitas delas cruciais, na opinião de quem as emite, como é óbvio, para a prossecução das suas políticas e, consequentemente, do país.
Contudo, como infelizmente, e amiúde, acontece neste país, a prática é do género olha para o que digo e não para o que faço. É exactamente o que acontece com o TC, já que vê perfeitamente os argueiros nos olhos dos outros e não consegue descortinar trancas, mesmo que sejam enormes, nos seus.
De acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), aquele suprema instituição jurídico/institucional sofre, de entre outros, dos seguintes pecados, os quais cito:
- os processos individuais do pessoal encontravam-se deficientemente organizados e desatualizados;
- em conformidade com instruções do presidente do TC, não foi aplicado o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho da Administração Pública (SIADAP), encontrando-se suspensa, desde o ano de 2011, a avaliação dos funcionários;
- sem evidência de regulamentação de afetação e de definição de limiares de utilização e de reembolso, foram, sem despacho, atribuídos telemóveis e reembolsadas despesas de telemóveis pessoais aos magistrados, dirigentes e alguns funcionários do TC (e.g. motoristas) e membros dos gabinetes;
- apesar de existir um guia de arrecadação de custas processuais, não existem normas e procedimentos que assegurem a plenitude do registo contabilístico dos recebimentos;
- os testes realizados evidenciaram que o atual sistema de controlo patrimonial não é completo nem eficaz;
- os processos de contratação de bens e serviços estavam, em geral, deficientemente organizados e, em alguns casos, com falta de documentos, incluindo, do contrato.
Mas o melhor ainda está para citar. Lê-se no citado relatório que “as principais preocupações do TdC são os automóveis que estão atribuídos a cada um dos juízes do TC para uso pessoal: o juiz presidente tem um BMW740 D, o vice-presidente tem um BMW 530 D e os restantes 11 juízes têm cada um BMW 320 D. Ora, sobre esta matéria, o TdC não tem quaisquer dúvidas: os juízes do TC, com excepção do presidente e do vice-presidente, não têm direito a viatura de uso pessoal. A mordomia que se mantém desde 2000 no TC é ilegal”.
E qual a argumentação do TC para rebater esta acusação? Cardoso da Costa, digníssimo presidente deste Tribunal, explicou ao PÚBLICO que a atribuição de um automóvel a cada juiz do TC “foi fruto de entendimento político e não teve tradução legislativa imediata, mas sim tradução prática, pois no Verão de 1998 veio o dinheiro” e, mais tarde, afirma, “saiu um decreto-lei (...) que cobre a situação”. Que “cobre”, vejam lá, acrescento eu!!!
Afinal, para defender as mordomias vale toda a argumentação, mesmo que seja a mais estapafúrdia. Sinceramente, nota-se a profundidade e a excelência da defesa que o tema exige. Parabéns, pois, por mim, fiquei completamente esclarecido. Aliás, estas e outras regalias deviam ser estendidas aos conjugues, amantes oficiais e encobertas, filhos e enteados legítimos ou não.