Todos sabemos como as ondas da Praia-de-Mira são alterosas. Por isso, não me recordo de, enquanto criança, alguma vez tomar banho completo no mar. A minha mãe extremamente cautelosa quanto muito, sob o seu olhar atento, deixava-nos molhar os pés na rebentação. Para os mais afortunados havia os banheiros, esses velhos pescadores, que seguravam as crianças e, a troco de compensação monetária, as mergulhavam nas fortes ondas. Para nós, porém, chapinhar os pés já era muito bom.
Recordo os passeios pela “floresta” em dias de nevoeiro e/ou forte nortada, sobretudo dos viveiros de trutas. Quantas migalhas de pão seco guardávamos para lhes atirar. E a saída dos barcos, puxados por enormes juntas de bois, a designada arte xávega? Eram tempos em que o pescado “fino” era para quem tivesse muitas posses ou, então, para a restauração. Nós contentávamo-nos com a petinga. Engraçado ou não, hoje em dia, este tipo de peixe é muito apreciado e extremamente difícil de encontrar, pois a sua venda é proibida.
Assim foi durante muitos e bons anos. Tendo criado sozinho a minha filha, desde tenra idade com esta de igual modo procedi. Com um desafogo financeiro superior aos meus progenitores, a permanência já era de um mês completo. Na maior parte dos dias acompanhados pela minha mãe, estes sucediam-se entre a leitura do jornal durante a manhã e um livro à tarde, hábito que ainda hoje conservo. As noites, sempre muito frias, davam para um pequeno passeio, mas de calças e camisola, quando também não era de casaco.
O aluguer de chapéu/tenda na praia já se tornava obrigatório. A pouco a pouco outras famílias amigas se juntaram, principalmente da zona de Ançã, com as inerentes patuscadas que ocorriam dia sim, dia sim. Era, com costuma dizer um amigo dessa época, um autêntico “delírio”.
(Continua)