Já o outro dia aqui falei sobre o papel de Marcelo Rebelo de Sousa na vida política actual. Convenhamos que a ninguém convém um Presidente da República (PR) apático, introvertido, sorumbático, queixando-se de tudo e de todos, parecendo que nada deve a quem quer que seja, mas que todos lhe devem algo, em suma, fechado entre as quatro paredes do seu Palácio, à semelhança da Rainha de Inglaterra. Não, repito, não é isso que os portugueses esperam de um PR, tanto mais que é eleito por sufrágio directo e unívoco por todos nós, o que lhe dá uma legitimidade acrescida.
Todavia, uma coisa é alguém apático e sobrecarregado de um simbolismo já balofo e em desuso. Outra, porém, é um PR travestido em primeiro-ministro, intervindo em áreas da competência exclusiva do executivo, com a agravante de se colocar de um dos lados da contenda política em que a democracia, tal como o ocidente a concebe, é rica e em permanente acção.
O PR deve, como a Constituição preconiza, ser um árbitro e jamais um jogador de uma das equipas, por muito que uma delas tenha o poder temporário de gerir os destinos dos portugueses. Ora, na entrevista que domingo p.p. deu à SIC, o Presidente da República ao apoiar as mais recentes medidas governamentais, ao elogiar as mais variadas acções promovidas pela “geringonça” – minoração do défice, reforço da concertação social, descrispação, diminuição do desemprego, reestruturação pacífica da dívida, entre outros – está, como é claro, a colocar-se de um dos lados da barricada, tanto mais que existem muitos portugueses a pensar que tais medidas não são assim tão favoráveis como se apregoa. Bem pelo contrário.