As dores não me largam, sobretudo durante a noite. Esta é escura e inimiga, irreflectida e anteparo de angústia, obrigando-me a ponderar sobre o que há muito desconheço, i.e., a serenidade e o respeito pelos meus cabelos brancos. Então, no que concerne à paz nem é bom falar. Há muito que não sei o que é, onde pára. Aliás, tenho dúvidas se alguma vez existiu, se existe ou se existirá.
Tudo isto apesar da operação, dos dias de recuperação, da fisioterapia e mais este, outro e outro medicamento. Independentemente do que dizem os especialistas, não vejo melhoras. Bem pelo contrário. Posso estar enganado, mas continuo a sentir que não existem operações, tratamentos, medicamentos, bem como outras formas de nos levarem dinheiro, que sejam 100% eficazes e que não tragam subsequentemente mazelas.
E a chuva não dá tréguas. Numa pequena aldeia, a vida torna-se ainda mais cinzenta. A humidade excessiva embrutece-nos, a idiotice toma conta de nós, a troca do dia pela noite desmazela o nosso relógio biológico e as refeições, tomadas fora de horas, isola-nos e a sensaboria instala-se.
A família há muito que se desvaneceu, pouco mais sendo que uma palavra vã. E se agora é assim, altura em que pior ou melhor ainda me consigo valer a mim próprio, o que poderei esperar daqui a dez ou vinte anos? Os amigos, costuma-se dizer, são para as ocasiões. Mais: de acordo com Demétrio, estadista e historiador grego,“amigo é quem, na prosperidade, vem quando é chamado e, na adversidade sem sê-lo”. Conversa da treta para adormecer aqueles que ainda conservam fé na humanidade. Em boa verdade, não tenho nenhum que não diga repetidamente: se necessitares basta apenas uma palavra. Todavia, quando preciso, olho para todos os lados e não vejo ninguém. A velhice é uma merd@.
Estou a exagerar? Admito que sim. E sei que existem imensas pessoas neste mundo em condições bem piores que a minha. No entanto, neste momento – sim, eu sei que estou a ser um tanto ou quanto egoísta -, é muito mais importante a pequena dor na minha boca que milhões de outras pessoas a morrerem à fome em tantos lados deste planeta.
Pode parecer uma contradição com o anteriormente exposto, mas apenas em Deus confio. Só Ele me pode valer e, principalmente, perdoar. Só n’Ele deposito toda a confiança.