Nada melhor para fazer um downzising interior do que passar um fim-de-semana sem energia eléctrica, telefone, seja ele fixo ou móvel, televisão e rádio. Descontando que a primeira daquelas ocorrências acarretou a ausência de água, obrigando-me a dois dias sem banho, foi uma experiência inolvidável, fazendo-me recuar aos anos cinquenta do século passado quando, chegada a noite, a iluminação era feita à custa de candeias e gasómetros. Não havendo, hoje-em-dia, estes objectos, a não ser como motivo de decoração, valeram-me as velas. Li, cozinhei e fiz a minha vida pessoal - mínima, como é óbvia - à luz de velas, cujo stock esgotei.
Mas voltemos à reflexão. Os detalhes estudados em prol da harmonia, a fusão entre o meio exterior e interior, em que os ambientes luminosos eram escassos, conduziram-me a conclusões deveras interessantes. Apesar da escuridão, não foram difíceis de encontrar, uma vez que o temporal assegurava total privacidade. As cores, principalmente à noite, adquiriram um tom laranja ocre ajudando a irromper um poder de autoanálise, tanto no âmbito estético como do ponto de vista da sustentabilidade emocional, arrumando ideias há muito obsoletas em nichos previamente concebidos. Simultaneamente, outras se salientavam, as quais, nos últimos tempos, começaram a brotar com um alento crescente, à semelhança da força do vento que, do alto dos morros e descendo aos vales, quase tudo varria à sua frente, deixando apenas de pé aquilo cujas raízes ou fundações eram mais sólidas.
A (re)orientação, a qual teve em conta os fantasmas – não há ninguém que os não tenha -, mas sem esqueletos no armário, decorreu em vários aspectos, ora abraçando algo de indelével, só meu, de modo a proteger memórias antigas, ora sobrepondo-se à envolvência e ao desnível do presente, tendo como lema a manutenção de uma faixa, o mais estreita possível, entre o desejável e o possível. Não sendo, de modo algum velho, penso já não ter idade para aberturas fáceis e comunicações estéreis. Bem pelo contrário. A separação e a divisão funcional podem simultaneamente ter vantagens e inconvenientes. Eu, como todos, sem excepção, só necessito que as primeiras suplantem os segundos.
Ao invés de utilizar instrumentos mais rebuscados, indaguei o eu mais recôndito, no meio de um jogo de luzes e sombras – o ambiente assim o propiciava -, onde as cores, sem serem as mais nítidas, estiveram sempre longe de se situarem no cinzento e muito menos no preto e branco. O futuro é de esperança e amanhã o sol brilhará.