Oh, Paris, Paris. Estava a ver que nunca mais. Enfin, Paris.
Depois de sete longos a porfiar, tratando do destino de uns ingratos, impedindo-o de frequentar os melhores pronto-a-vestir - sim, porque um homem deve-se apresentar o melhor possível, dando, aliás, exemplo de primeiro -, recusando-lhe a possibilidade de frequentar, tanto como desejaria e, já agora, merecia(!!!), a melhor sociedade pensante da velha Europa, como sabe bem este remanso à beira-rio.
A proximidade do Sena acaba por determinar todo o conceito arquitectónico da quinto andar, alugado por 2500 euros mensais, proporcionando um ambiente protegido e uma paz interior que se quer mostrar. O recheio foi escolhido criteriosamente, através de um arquitecto francês meio-gay – só podia, não era? -, mas que se mexe muito bem entre a nata da melhor socialite gaulesa. Os móveis e os quadros – de gosto eclético, mas sempre genuínos, uma vez que para cópia já chega o seu “canudo” - firmam esse vínculo com a paisagem que se avista das enormes janelas sacadas do apartement. Este, devido à exposição de luz natural, é dotado de pérgulas, as quais fazem um jogo caprichoso de luz e sombra que o torna muito estimulante.
Os jantares em sua casa, apesar da ainda curta estadia, já se tornaram lendários. As entradas, que vão desde as cuisses de grenouilles, passando pelos escargots, os foie gras, há muito que deram brado. Nos designados pratos fortes, a coisa não fica por menos. Senão vejamos: o blanquette de veau, o coq au vin, o boeuf bourguignon, o cassoulet, para só citar alguns, continuam a fazer crescer água na boca a quem os saboreou. Como é evidente, as sobremesas afinam pelo mesmo diapasão. Os mais diversos crepes, e especialmente o crème brûlée, têm deliciado os mais ilustres visitantes. Claro que os famosos vinhos, espumantes e conhaques, como é lógico, não faltam. Só para citar alguns, eis o que há sua mesa são regularmente servidos: nos vinhos de mesa o Château Les Gravières 2006 e o Chablis 1er Cru "Les Fourneaux" 2008 são habitués. Todavia, uma vez ou outra, já se provaram o Echezeaux e o Clos Vougeot "Musigni”, ambos de 2008, sem dúvida uma das melhores colheitas das últimas décadas. Nos espumantes o Dom Pérignon tem sido rei e senhor. Já nos conhaques o Courvoisier, intervalado com o Baron de Sigognac, tem dado excelente conta de si.
À noite, quando o repouso e serenidade regressam ao bairro chique, quando a Lua se espelha nas águas mansas do Sena, ao som de, por vezes, Marisa, por outras a sempre eterna Amália, as discussões estendem-se até de madrugada. O tema, como não podia deixar de ser, é, quase sempre, a filosofia. Por ali são dissecados os grandes pensadores contemporâneos, sobretudo franceses, entre os quais se destacam Jean-Paul Sartre, Edgar Morin, Jean-François Lyotard, Michel Henry, entre tantos outros. Todavia, uma vez ou outra, os filósofos da antiga Grécia são citados, já que o saber nunca ocupou lugar, para além de ser de bom-tom mostrar que se sabe também algo dos clássicos dos clássicos. Assim, as referências a Aristóteles, a Platão, passando pelo seu homónimo, bem como muitos outros, são comuns.
Oh, combien il est bon de vivre avec quelqu'un qui nous comprend.
N.B. – A notícia que alguns jornais publicaram de que a sua candidatura à Sorbonne Université tinha sido recusada por três vezes, devido a dúvidas sobre a sua formação académica anterior, e que a sua admissão só foi possível face à intervenção do nosso embaixador em Paris, como é óbvio, não passa de má-língua e inveja.