A maioria dos portugueses interroga-se amiúde sobre como foi possível chegarmos a tão grande crise financeira/económica. Bem tentam fazer um exercício de memória e poucos se atrevem a chegar a uma conclusão plausível e curial. Grande parte de nós sacode a água do capote, e, sistematicamente, aponta o dedo aos outros, a começar pelos governantes, passando pelos políticos em geral, não esquecendo os bancos e grandes grupos económicos, e terminando nas empresas públicas e demais tralha "xuxalista", como sejam as parcerias público-privadas, vulgo PPP, etc., etc.
Raros, para não dizer raríssimos, são, porém, aqueles que se atrevem, num gesto de nobreza e carácter, a dizer: “eu também fui culpado do estado a que o país chegou”.
Culpado por preferir um certo laxismo ao rigor, por adorar não cumprir o horário, por vasculhar constantemente a melhor forma de fugir ao fisco, por ver como e aonde posso contornar a lei, por faltar ao trabalho – as ausências ao serviço nas empresas públicas é seis vezes superior às do privado -, por mau desempenho profissional, por desejar ardentemente aposentar-me mesmo que seja aos cinquenta e poucos anos, pouco me importando de ter menos anos de contribuição do que futuro benefício, por ter uma pensão em que ganho mais que o meu colega no activo, gozando, ainda por cima, apoios nas universidades seniores, férias no Inatel e spas em health clubs, por reivindicar cada vez mais direitos – então, dos adquiridos, nem é bom falar(!) -, esquecendo invariavelmente os deveres, por gozar férias em paraísos turísticos quando nem dinheiro tenho para ir à praia mais próxima, por só excepcionalmente pedir recibo de compra, originando com isso fuga aos impostos, por admitir que os sindicalistas, associativistas, fundacionistas, etc., vivam à custa de todos e não dependam dos respectivos associados, como, aliás, seria natural, por não me revoltar pelo facto dos partidos sobreviverem à custa do erário público, por não enxergar, atempadamente, que aos filhos e netos se devem deixar somente bens tangíveis e jamais dívidas, por acreditar utopicamente que a educação e a saúde poderiam ser totalmente gratuitos, mesmo para aqueles que nem um cêntimo descontaram, por admitir tão pacificamente os casos BPN, Vara, Freeport, Madeira, Face Oculta, …, e por muitas outras maleitas, cujo rol seria demasiado fastidioso estar a enumerar.
Sim, eu sei, que foi muito mais fácil enterrar a cabeça na areia, como a avestruz, e dizer que nada era comigo.
É que são pouquíssimos aqueles que, ao longo destas últimas décadas de um completo desvario, preferiram alguém que chamasse “os bois pelos nomes”, isto é, que dissesse que era absolutamente necessário maior rigor na gestão do dia-a-dia, maior eficácia no trabalho e no cumprimento das obrigações legais, máxima ponderação com os gastos que o Estado, ou seja, todos os contribuintes, coloca a favor de cada instituição, maior eficiência na administração dos recursos sejam eles materiais ou humanos. Como se sabe aqueles que se atreveram a dizer basta, que era necessário colocar cobro à loucura, levaram um chuto onde mais dói. Hoje, estes riem-se, baixinho, mas, sobretudo, com lágrimas a correrem-lhe pelas faces, constatando que tiveram razão antes do tempo.
A larga maioria elegeu como opção quem governasse, desde o mais alto dignitário da nação ao mais simples chefe de qualquer repartição, de modo laxista. O que sempre almejou foi navegar ao sabor do vento, acompanhando a crista da onda, num perfeito equilíbrio do “nim”, mesmo quando, poucos, é certo, apontaram que tal insânia, mais cedo que tarde, se pagaria com língua de palmo.
E, agora, queixamo-nos de quê? Se mesmos dos poucos que nos tentaram abrir os olhos para a realidade nua e crua, desprezámos e até vilipendiámos? Para não citar outros, e de modo algum querendo puxar a brasa à minha sardinha, recordam-se o que dizia Manuela Ferreira Leite em 2009? E mais recentemente o que afirmava Medina Carreira?