Ontem falei da caridade. Hoje, porém, prosarei sobre a misericórdia. Esta, numa definição muito simplista, é a busca de uma relação verdadeira com aquilo que existe. A civilização que temos vindo a desenvolver caracteriza-se, cada vez mais e infelizmente, pelo que é material e, por isso, a cada um de nós está associado uma quantidade enorme de materiais a que uma sociedade de pastores ou caçadores não tinha acesso.
A misericórdia é algo que está em contínua conquista e sendo excelente é inatingível. Viemos de um passado agrícola/conservador e estamos a aprender como agir numa sociedade avançada. Só que o fazemos mais com a razão do que com o coração. Por outro lado, temos de convir que o alvo a atingir não está parado no tempo, move-se constantemente. Assim, o que interessa é o esforço de aproximação ao outro, com a finalidade de não podermos continuar a sermos alguém com o futuro eternamente adiado.
O presente e o futuro, o curto e o longo prazo, começam ao mesmo tempo e competem entre si, cuja solução passa, sem sombra para dúvidas, pela misericórdia. Isto porque todas as sociedades devem ser, por definição, sociedades constituídas por Homens misericordiosos, uma vez que as pessoas que não praticam a comiseração já se encontram mortos.