A agricultura, para mim, é paixão e simultaneamente ódio, quase fazendo lembrar aqueles casais que, durante o dia, discutem por tudo e por nada, mas, à noite, se amam sofregamente.
Cada vez mais gosto de me levantar cedo. Dar o primeiro alimento aos animais e seguidamente partir para o campo. A sujidade e o suor não me desagradam, uma vez ter presente pelo menos duas coisas: uma delas, certamente, é saber o quanto é bom tomar banho depois uma jornada de intenso labor; a outra é saber que nada se pode fazer no amanho da terra e concomitantemente ficarmos asseados.
O terreno infestado no início da manhã dá lugar à sementeira durante a tarde. A diferença cromática, aliada à esperança de nova vida é fonte de regozijo. A preparação de tal – escarificar, lavrar, fresar, entre tantas outras tarefas – é, de certo modo, um deleite. Segue-se a semeadura e o “rezar” para o que foi deitado à terra desabroche e dê fruto (re)compensador.
Até à colheira, porém, muito há ainda pelejar. São fases menos agradáveis, mas que têm de ser obrigatoriamente feitas. Como os meus antigos diziam “semear e colher não custa, o que custa é cuidar”. O adubar e principalmente o sachar é algo que, até certo ponto, bem dispensava. As infestantes, vulgo ervas daninhas, são, principalmente em anos chuvosos, tantas que mal se consegue distinguir a planta propriamente dita.
Por isso, quando ouço os citadinos – sem qualquer juízo pejorativo - dizer que adoram o campo e fundamentalmente a agrografia, rio-me interiormente e, sempre que posso, não dou seguimento à conversa. Sei de fonte segura que cuidar da terra nada tem de romântico. Tem, sim, muito suor, sangue e lágrimas. Em sentido literal e real.
Sim, eu sei, o quanto é bom ir ao quintal e colher, no momento, a fruta ou a hortaliça. Sim, eu sei, quanto é gostoso comer um polho ou um lombelo caseiro. Todavia, se a maioria das pessoas soubesse a abdicação que se passou para se obter aqueles, outro valor daria a quem faz da agricultura o seu modo de vida.
Uma nota de rodapé. O agricultor, pelo menos a generalidade, há muito que deixou de ser o homem rude, inculto e iletrado, sujo e desgrenhado, com a barba de oito dias e cujo corpo só via água em dia de festa. Hoje-em-dia, por opção própria, há muito licenciado a sujar diariamente as mãos na terra e em que, por exemplo, o computador é uma ferramenta tão indispensável como a enxada.
Adenda: Este é um texto muito terra a terra. Quase me atreveria a dizer que foi escrito com os pés. E assim foi por uma razão mais forte que o signatário: a terra é assim! Sôfrega, brutal e sem piedade.