Chamem-lhe municipalização, delegação ou transferência de competências. Chamem-lhe o que quiserem, pois o importante é a acção política que lhe está subjacente e não a semântica. E aquela, conforme em tempos aqui escrevi, não tem cor política ou ideologia, uma vez que o governo, quer seja do PSD/CDS-PP ou do PS, e as autarquias, independentemente de quem as governa, anseiam que o processo avance, zombando dos interesses e da opinião de quem está na berlinda. No futuro, se houver alguém a codilhar-se, já todos sabemos, será sempre o mexilhão.
A corroborar o anteriormente dito, veja-se que das actuais treze autarquias que já celebraram protocolos com o MEC para o próximo ano lectivo, dez são do PSD e três do PS, algumas bem nossas vizinhas – Oliveira do Bairro (PSD) e Águeda (PS). Saliente-se que, como é do conhecimento público, nestes dois casos tem havido “mosquitos pelas cordas”, não me causando qualquer admiração que nos restantes algo semelhante se passe.
No fundo, tudo se resume ao seguinte: o governo quer livrar-se de alguns incómodos nas áreas da educação, da saúde, da segurança social e da cultura, enquanto as autarquias dão tudo e mais alguma coisa para exercer tais competências, numa lógica de quanto mais pessoas/serviços comandarem maior será a sua influência e, consequentemente, maior probabilidade de perpetuação no poder.
A legislação que regula a delegação de competências para os municípios – Decreto-Lei nº 30/2015, de 12 de Fevereiro – no que respeita à educação diz:
Artigo 8.º
Educação
No domínio da educação, no que se refere ao ensino básico e secundário, são delegáveis nos órgãos dos municípios e das entidades intermunicipais as seguintes competências:
a) No âmbito da gestão escolar e das práticas educativas:
i) Definição do plano estratégico educativo municipal ou intermunicipal, da rede escolar e da oferta educativa e formativa;
ii) Gestão do calendário escolar;
iii) Gestão dos processos de matrículas e de colocação dos alunos;
iv) Gestão da orientação escolar;
v) Decisão sobre recursos apresentados na sequência de instauração de processo disciplinar a alunos e de aplicação de sanção de transferência de estabelecimento de ensino;
vi) Gestão dos processos de ação social escolar;
b) No âmbito da gestão curricular e pedagógica:
i) Definição de normas e critérios para o estabelecimento das ofertas educativas e formativas, e respetiva distribuição, e para os protocolos a estabelecer na formação em contexto de trabalho;
ii) Definição de componentes curriculares de base local, em articulação com as escolas;
iii) Definição de dispositivos de promoção do sucesso escolar e de estratégias de apoio aos alunos, em colaboração com as escolas;
c) No âmbito da gestão dos recursos humanos:
i) Recrutamento, gestão, alocação, formação e avaliação do desempenho do pessoal não docente;
ii) Recrutamento de pessoal para projetos específicos de base local;
d) A gestão orçamental e de recursos financeiros;
e) No âmbito da gestão de equipamentos e infraestruturas do ensino básico e secundário:
i) Construção, requalificação, manutenção e conservação das infraestruturas escolares;
ii) Seleção, aquisição e gestão de equipamentos escolares, mobiliário, economato e material de pedagógico.
Agora é só ler e ver qual ou quais dos itens não é de arrepiar. E admiram-se de andarmos stressados, constrangidos e, sobretudo, angustiados.
Todavia, pior, mas muito pior, é tudo se discutir à revelia dos principais interessados. Por muito que institucionalmente/politicamente seja a câmara/assembleia municipal a representar os interesses dos cidadãos do concelho e a direcção/conselho geral do agrupamento de toda a comunidade escolar e, por isso, sem obrigação legal de ouvir outros para além dos respectivos membros, manda o bom senso que, numa matéria tão sensível como esta, se debata o tema o mais amplamente possível.
Já não peço a realização de um sufrágio por voto secreto – apesar de a ideia me agradar e ter a certeza que o resultado seria, no mínimo, muito curioso -, mas apenas que não se tome nenhuma decisão definitiva sem a mínima discussão pública.