Tinha prometido, a mim mesmo, não escrever sobre a detenção de José Sócrates até a poeira assentar, uma vez que, apesar do tempo chuvoso, é intensa. Aliás, isso mesmo está implicitamente descrito nos textos que tenho publicado, explicando o porquê de tal atitude.
Todavia, contra a minha vontade, quebro a promessa por não poder conter o meu direito à indignação. Esta revolta adveio das palavras hoje proferidas por Mário Soares, à saída do Estabelecimento Prisional de Évora, após a visita que lhe foi autorizada a título excepcional – novamente usufruiu de regalia que mais ninguém dispõe – ao ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do PS.
Que vá visitar um amigo à prisão só lhe fica bem, tal como seria muito bom que todos fizéssemos o mesmo em iguais circunstâncias, já que a amizade se deve revelar principalmente nos maus momentos.
O que está mal são as suas declarações, sobretudo quando diz que “que José Sócrates está a ser vítima de uma campanha que é uma infâmia", argumentando tratar-se de "um caso político e que têm feito uma campanha contra ele que é uma infâmia. É não só a comunicação social que a faz, mas são também os tipos que estão por trás dela", acusou. Segundo Soares, "toda a gente acredita na inocência de José Sócrates neste país" (!!!) e que "todo o PS está contra esta bandalheira", apesar de este caso não ter "nada a ver com os socialistas". Em sua opinião, "tem a ver com os malandros que estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar" (!!!). Para o antigo mais alto magistrado da Nação, José Sócrates foi tratado como se fosse "um malandro" e "nem sequer foi ao tribunal”.
Que o antigo chefe de Estado está senil todos o sabem. Agora, a condição de xexé, de modo algum, lhe dá direito de insultar todo o sistema judicial, desde a magistratura à procuradoria, e, sobretudo, de atirar areia para os nossos olhos, fazendo de todos nós autênticos totós. Que muitos e muitos ex e actuais políticos se achavam acima da lei, intocáveis até, também não deixa de ser verdade e, por isso, quando vemos, não o fim do regime, como as aves agoirentas do costume se apressaram a pressagiar, mas sim o início do efectivo Estado de direito, ai “aqui d’El Rei” que tal é uma obscenidade.
Eles que enchem a boca de democracia, democracia e mais democracia, quando um dos seus é “apanhado”, esquecem-se rapidamente que, num Estado de direito, a separação de poderes, i.e., a independência entre o poder executivo e judicial, é um dos pilares desse mesmo regime democrático que tanto apregoam.
Termino, recomendando a Mário Soares que volte para as Galápagos e monte novamente numa tartaruga, como em tempos o fez, nessa ilustre viagem que trouxe enormíssimos benefícios para o nosso país! Mas vá e não volte!