Com toda a franqueza, digo-vos que, amiúde, me sinto mal neste rectângulo à beira-mar plantado. A falta de coerência e de ética, principalmente na nossa classe política é desesperante. Mas desengane-se quem pense que é apenas nas designadas elites governativas ou em outras pessoas com menor ou maior peso político que tal acontece. Não, no povo, mais ou menos anónimo, entre as classes profissionais ditas mais dignas, entre os estratos sociais (pequeno/médio) burgueses, também tal estado de atitudes e valores está instalado.
O que hoje é assim, manhã é assado. O que ontem era uma verdade indesmentível, jurada a pés juntos, hoje é mentira. Os que estão “em cima “ são uns malandros, uns gatunos, que apenas sabem governar-se à nossa custa. Nós, bem pelo contrário, somos o exemplo vivo da seriedade, da pontualidade e assiduidade, mesmo que chegamos atrasados quase diariamente e, pior ainda, acharmos que é uma enorme injustiça a marcação da respectiva falta quando a ausência, por vezes, ultrapassa uma hora. Somos um modelo de competência, de um desempenho denodado e, até imaculado, que nos impede de ver televisão, de ler, de ir ao cinema, de ter fins-de-semana, etc., etc., apesar de vez em quando nos escapar a boca para a verdade e lá afirmarmos que “seguimos” esta e aquela telenovela, que vimos o filme X, Y e Z, que vamos diariamente ao ginásio ou à dança, que passamos dois ou três dias neste ou naquele local, entre muitos outros lazeres.
Mas voltando aos políticos, pergunto o que move, por exemplo, Bagão Félix? Infeliz ministro das Finanças de um (des)governo presidido por Santana Lopes, nada de assinalável fez. Lembram-se de uma única medida por ele implementada? Nada, zero, nicles! A não ser aumentar desmesuradamente o défice e, por conseguinte, a dívida, no qual teve exímios seguidores – a dupla José Sócrates e Teixeira dos Santos – nada mais recordamos dele. Governo que Jorge Sampaio teve que demitir, tal era a sua inépcia, e que depois deu origem a uma maioria de má memória.
Hoje, excelentemente bem reformado, Bagão Félix é, pelo menos aparentemente, um homem amargurado. Primeiro, porque ninguém fala do seu legado – não se pode falar do inexistente, acrescento eu. Por outro lado, sente uma enorme frustração já que, mensalmente, lhe vão ao bolso retirar umas míseras migalhas da sua choruda pensão. É caso para dizer: lágrimas de crocodilo leva-as o vento.
No entanto, se chorasse sozinho, ainda vá que não vá. Mas aliar-se a indivíduos como João Cravinho, conotado com o sector mais esquerdista do PS, com quem elaborou o Manifesto dos 70, com vista à reestruturação da dívida ou, dito por outras palavras, a solicitação do perdão do que devemos, não lembra ao diabo. E depois dar a subscrever o dito documento a tantas outras personalidades – algumas, entretanto, já fizeram marcha-atrás -, entre as quais Manuel Carvalho da Silva, ex-dirigente máximo da CGTP e comunista confesso! Alguém, a não ser num acto de desespero, se lembraria de algo semelhante?