Continuam a existir situações consideradas, no mínimo, caricatas. Tal como em outros países, também no nosso existem castas. Uns porque, à partida, sobre eles assenta uma desconfiança total, quais vagabundos ou ladrões de primeira marca, e, nesta ordem de ideias, têm que demonstrar tudo e a todos; outros, porém, cidadãos de primeira classe, homens e mulheres considerados impolutos, acima de qualquer suspeita, dos quais não se pode desconfiar, nem em pensamento, quanto mais por palavras.
Todos sabem que quando o cidadão comum falta ao serviço por motivos de doença e para que não sofra as sanções preconizadas na legislação aplicável, tem que demonstrar, através de atestado médico ou de internamento hospitalar, que na verdade a sua ausência se deveu a motivos perfeitamente justificáveis.
Todavia, no que diz respeito aos deputados, os tais pertencentes a uma casta superior, basta a sua palavra. Se isto não é imoral, o que será?
Vejamos, então, o seguinte episódio que ilustra e bem o interiormente descrito. A deputada socialista Glória Araújo foi dispensada de apresentar um atestado médico na Assembleia da República para justificar as faltas que deu ao plenário na semana a seguir a ter sido apanhada a conduzir com excesso de álcool, cerca de cinco vezes mais do que o permitido por lei. A parlamentar do PS justificou as faltas com doença, mas não apresentou qualquer comprovativo e as regras do parlamento não obrigam os deputados a fazê-lo.
"Este tipo de justificação não necessita de relatório médico", explicou ao jornal "i" fonte oficial dos serviços da Assembleia da República, remetendo mais explicações sobre o regime de presenças e faltas ao plenário, aprovado em 2009. A resolução define que "a palavra do deputado faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais".
Acrescento que a aludida deputada pertence à Comissão de Ética do Parlamento. Pelo episódio, está mais que demonstrada a posse de tal atributo.
Depois queixam-se que o povo tem uma má imagem dos políticos e que tal é, na maior parte das vezes, veiculada deformadamente pelos media, bem como pela (im)preparação política dos cidadãos. Será que não têm espelhos em casa?