Haja quem se atreva a dizer que não gosta de viver na riqueza, para não dizer no luxo ou na opulência. Aposto que não se encontra alguém, a não ser que seja santo ou pessoa do género da Madre Teresa de Calcutá.
Foi o que, de certo modo, aconteceu com a maioria de nós. Portugal e um número substancial de portugueses viveram os últimos trinta e tal anos num clima latente de euforia. Logo a seguir à queda da ditadura, do fim das guerras do Ultramar, passando pela embriaguez da democracia, da ascensão de uma nova classe média, da substituição da velha oligarquia por uma nova geração de empreendedores, veio somar-se o impulso decisivo de um milhão de retornados da antigas colónias, bem como a entrada na então CEE e a quase obscena cornucópia de riqueza que subitamente se derramou em infraestruturas, apoios e subsídios para todos os gostos, transformando pessoas modestas em autênticos “patos bravos”.
A concretização de sonhos há muito reprimidos, explodiu na enorme passividade e, pior, na permissividade dos políticos, no despertar das ambições mais legítimas e dos apetites mais sórdidos. A ilusão de uma falsa riqueza aguçou os apetites dos menos íntegros, corrompeu resistências e dissolveu escrúpulos éticos e morais.
Na política, na banca, nos mais diversos negócios, os portugueses na ambição de não perderem o comboio da (falsa) prosperidade e atingir, a quaisquer custos, níveis de vida europeus, generalizaram uma sociedade acicatada por um consumismo desenfreado.
Agora, subitamente, a situação inverteu-se. Na senda da nossa melhor tradição, o excesso de facilidades tornou-se na nossa maior dificuldade. De repente, qual passe de mágica, todos os excessos vieram ao de cima. Cidadãos até agora impolutos revelaram-se verdadeiros ícones da ganância e da corrupção.
Em suma, os portugueses estão a passar de uma relativa terra do mel para a experiência do fel, do reinado do desemprego e do retorno à emigração.
Por isso, as actuais medidas de austeridade não são mais que sinais de reequilíbrio. O que dizer? Deveríamos ter aberto os olhos há pelo menos trinta anos, jamais termos ido atrás de cantos de sereia e de “amanhãs que cantariam eternamente”.