Temos assistido, nos últimos dias, a permanentes manifestações, um pouco por todo o país. Algumas, inquestionavelmente, muito grandiosas, para bem ouvirmos, vermos e, sobretudo, não ficarmos mudos; outras manifestamente industrializadas e cujo pêndulo advém de uma agenda oculta, vulgo idealismos radicais e sindicalismo balofo, em cuja tónica se antevêm, sem margem para dúvidas, correias de transmissão de ideologias que o povo português, livremente e ao longo de trinta e oito anos, rejeitou de forma inequívoca.
As primeiras, apartidárias e cujos organizadores não possuem rosto, não podem ser apropriadas por quem quer que seja. Vão muito para além da política de contestação governamental e elevam os seus protestos contra as medidas ultimamente implementadas, mas também contra todos os políticos e forças partidárias. Basta, para justificar tal, recordarmo-nos dos muitos cartazes que diziam “abaixo os partidos”, “estamos fartos dos políticos: são todos uns ladrões”, “os políticos são todos a mesma m.., pois querem é tacho”, “os políticos querem é poleiro e quando lá se encontram rapidamente esquecem as promessas”, entre tantos outros “mimos”.
Ora, os políticos a que tais cartazes aludiam não se referiam apenas aos que exercem funções governamentais. Por isso, sem querer coartar quaisquer direitos, é lamentável observar dirigentes do PC e do BE, para além de, infelizmente, integrarem aquelas, lerem, de modo enviesado, algumas das justas reivindicações aí expressas. Mas pior, bem pior, é o PS, a quem, maioritariamente, cabe a culpa do estado a que chegámos, e principal subscritor do acordo com a troika, a participar activamente e a manifestar, hipocritamente, regozijo pelas mesmas, indo ao cúmulo de alguns proeminentes dos seus membros, aliás bem instalados na vida, e que ainda há poucos meses afirmavam, alto e em bom som, que não se deve governar ao som da rua. Só para citar um exemplo, esqueceram-se - muito rapidamente, como é óbvio - das mega-manifestações dos professores e a desvalorização que promoveram sobre as mesmas. Há políticos sem vergonha e, particularmente, com a memória curta.
Faço um parêntesis para citar Vital Moreira, eurodeputado do PS, insuspeito de simpatias pelo actual governo que afirma «nenhuma democracia pode assentar nos "referendos de rua", para revogar as decisões políticas do governo em funções».
Já agora e, apesar das minhas limitações enquanto agente cívico, adianto um repto: atrevam-se os partidos da esquerda e da extrema-esquerda, bem como as forças sindicais, por muito representativas que, eventualmente, possam ser, a convocar manifestações e vejam se, em algum momento, possuem a envergadura daquelas que ocorreram, principalmente em Lisboa, no p.p. dia 15.
Permitam-me um outro plangor. Como é deveras triste ver professores, ou pseudo-professores, ainda que em escassíssimo número, é certo, a exibir cartazes e a gritar em altos brados, em qualquer visita de um membro do governo, palavras de ordem do género “ladrões” e “gatunos”. É assim que se dignifica uma classe? Alguma vez viram médicos, juízes ou outros profissionais, a quem, muitas vezes, achamos que devemos estar equiparados, a procederem deste modo? Que exemplo damos aos nossos alunos? E queixamo-nos de que, cada vez mais, estes nos têm menos respeito? Pudera, com modelos destes!
Que não se concorde ideologicamente com a condução governativa do país é uma coisa. Daí a legitimidade à manifestação e à indignação. Outra coisa, totalmente diferente e, por isso, inaceitável, é a má educação, a prova evidente da ausência de urbanidade e, acima de tudo, o que só agrava o mau-estar, pensar que se pode vencer na rua o que se perdeu nas mesas de voto.