Localizo-a. Ela ali está, no topo sul de uma longa fiada de casas em banda. A sua silhueta, bem moldada, cuja pele faz lembrar o mármore de Carrara, integra-se, ou melhor, confunde-se, no que é hoje um “bairro chique” de uma cidade de cultura, com características de homogeneidade e pela repetição de um tipo de moradias com pequenas variações. Para além disso, a coesão do seu espírito livre com o espaço público, confere-lhe uma vivência comunitária, difícil de encontrar na cidade contemporânea mais fragmentada.
E, enquanto me aproximo, observo que o tempo não derrotou a sua beleza de sempre. O rosto bem saliente, onde uns olhos brilhantes de emoção me aguardam, confere-lhe a integridade do conjunto de um tempo indefinido, apesar da depuração no redesenho dos lábios que se abrem prazenteiramente quando me beija. As mãos que me tocam, os braços que me enlaçam permitem a transição natural para a ampliação do aconchego que assume a sua condição contemporânea.
Procuro, nestes breves momentos, aprisionar, na minha mente, os elementos esculturais que, nas horas de solidão, associo, tantas e tantas vezes, à sua imagem. Encontro o que ansiava. A autenticidade do beijo, sorvido com enorme sofreguidão, provoca um turbilhão de emoções como se o mundo fosse terminar naquele instante.
Mais tarde, a singeleza dos materiais que a adornam, os quais, por um lado, salientam o lado concreto dos valores intrínsecos, como que emanados por uma força telúrica, mas que, por outro, desvanecem a recriação de estereótipos sem validade cultural ou construtiva, são despidos por meio de gestos que têm tanto de rude como de belo, só compreensíveis e tacitamente aceites em momentos de luxúria vivida com paixão.
Entretanto, já em casa, esta deixa de ter divisões. O quarto confunde-se com a sala, esta não se distingue da cozinha, numa azáfama de rejuvenescimento em termos funcionais e espaciais. Os espaços abertos sugerem usos de conformidade e de interligação, ocultando e até demarcando o som do porvir.
E da antecâmara para a intimidade acede-se num ápice. A explosão dos materiais sobrepõem-se de forma directa, o desejo de revelar o outro é simultâneo e, finalmente, reganha-se gosto pela originalidade.