Brutal e de ruptura, arrasador, catastrofista, derrotista, sectário, faccioso, inconsciente, desmobilizador, inconsequente, estas, entre outras, foram algumas das palavras usadas pelos socialistas e seus satélites para analisar o discurso de Cavaco Silva, proferido aquando da sua tomada de posse, ocorrida ontem, perante a Assembleia da República.
Em sentido contrário, a direita exultou perante o diagnóstico feito pelo Presidente da República, tendo-lhe rasgado os maiores epítetos: sério e realista, construtivo, facilitador do retorno aos caminhos necessários à credibilidade do país, sustentável, arruinador de ilusões e, ao mesmo tempo, colocando o dedo na ferida.
E, apesar de ter gostado do que Cavaco Silva disse, há que pesar com o máximo cuidado cada palavra.
Em primeiro lugar, discordo dos que afirmam que o discurso de ontem foi o entreabrir da porta do regresso do PSD ao poder, pois só quem não conhece a verticalidade o sentido ético que coloca em todas as suas acções pode pensar que o Presidente da República criará uma crise política para que os sociais-democratas ascendam ao governo da nação.
Em segundo, porque se tratou de um discurso corajoso, mas simultaneamente perigoso, é necessário ver a coerência em futuras acções. Quando afirma "existirem limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos" está a dizer concretamente o quê? Que não vai admitir mais cortes nos salários, subida dos impostos, aumento das taxas, entre tantos outros custos? Não acredito. É que, de uma coisa todos sabemos: face ao estado a que a camarilha do PS levou o Estado, este ou qualquer outro governo, pelo menos durante os próximos cinco ou dez anos, não terá outra hipótese senão pedir mais sacrifícios ao povo. E, nesta conformidade, como então reagirá?
Em terceiro, será que Cavaco Silva quis dizer, alto e em bom som, que vai estar atento à navegação, não permitindo, daqui para a frente, e de modo algum, veleidades como aquelas que o actual e anterior governo foram expeditos em tomar? Estou convicto que este é o seu mais profundo pensar e, por isso, será caminho que tomará. Todavia, é uma via que exige muita serenidade, ponderação, diplomacia e, acima de tudo, um enorme «jogo de cintura», pois José Sócrates está ansiosíssimo para encontrar um motivo que leve o «Zé Povinho» a vê-lo como vítima. É especialista na matéria e sabe, de antemão, que será a sua tábua de salvação.
De hoje em diante muita coisa mudará e discrição não será a palavra de ordem nas relações entre Belém e S. Bento.